terça-feira, 8 de novembro de 2011




-... Eu não tenho todas as respostas, porque ainda há muito mais envolvido. Coisas que ainda não aconteceram... – disse Simone olhando para os lados, talvez ainda com medo de que os enfermeiros a sedassem novamente. – Estes fragmentos que chegaram a você vêm da Empresa. Entenda, as coisas vão começar a ficar estranhas por aqui. Aliás, muito piores do que já estão...  o acidente de trem não é por mero acaso.

- Espere, como você sabe do acidente de trem? – interrompi a mulher abruptamente – A senhora não saiu desse quarto!
- E quem disse que eu preciso sair daqui para saber das coisas?  - disse ela se inclinando para frente, retirando um jornal de debaixo dos colchões do quarto – Foi ele quem me trouxe...
- Ele quem?
- O mesmo que estava no seu apartamento! Ele está só perturbado... Entenda, quando uma pessoa passa por uma estrutura temporal que está com uma fissura, ela pode sofrer alguns danos...

Confesso que, por dentro, eu estava rindo do que aquela mulher dizia com tanta convicção. Jamais havia lido aquela informação em nenhum livro de física, sequer sabia sobre aquelas contas... Até que ela me surpreendeu: no mesmo colchão que ela acabara de levantar para pegar o jornal, também tirou um papel dobrado e bem grosso; começou a abri-lo e a dobra de 20x20 se tornou uma enorme planilha cheia de cálculos fundamentados.

- Senhor, olhe a marca d’água no fundo do papel... Está vendo? Este é o responsável por todo o dano do mundo futuro! O responsável por todas as desgraças desde que cheguei aqui! SIM, HEAVEN’S! E o senhor é quem pode fazer com que isso não aconteça! Se ‘ele’ está aqui é porque você conseguiu fazer que desse certo!
- Simone, minha senhora... Não noto sentido no que você está dizendo agora. Acho melhor eu me retirar...
- Não! Eu nunca estive tão sã! Estou te dizendo de professora de física para professor de física: tudo o que eu te digo está abalizado, tenho provas e cálculos que te ajudarão a tirar suas próprias conclusões.

Então, naquele instante, eu parei e vi a razão em suas palavras:

Simone Strauss:
Fui contratada pela Heaven's dois anos depois da sua instalação em nossa cidade, por um bem-feitor que queria encontrar alguém muito valioso para ele. Esse homem tinha muita proximidade com a minha família. Meus dois filhos eram alunos dele no colégio.
A primeira fase do nosso projeto estava quase pronta: perfurar o tecido do tempo, causar uma ruptura e transportar uma pessoa para o passado. Uma moça muito bela se voluntariou para o processo. Mas existia uma lei: ela não deveria encontrar consigo mesma no passado, para que seu futuro e psicológico não fossem afetados.
Imagine se encontrar com uma versão mais velha de você, quando ainda se é adolescente, ou jovem. É um choque difícil de se apagar da mente de qualquer pessoa.
A cobaia se escondeu, literalmente, dela mesma e terminou por se apaixonar por alguém do lado do outro lado do tempo - alguém que não tinha seu amor no futuro, mas estava plenamente preocupado em modificar o passado. Ao notar que algo estava errado, o nosso superior mandou que a experiência terminasse por ali. Então fui buscar a moça e entrei no portal e visualizei o mundo que eu não vira desde que meus filhos eram jovens. Ela retornou para a nossa época, e eu fiquei.
Naquela mesma noite, fui a casa onde eu e meu falecido marido morávamos. A minha versão mais jovem estava lá com toda a família. Éramos todos tão felizes... Nosso terceiro filho havia nascido! Ver-me jovem novamente, e com saúde me alegrou muito. Quando vi a mim mesma saindo para colocar o lixo na rua, me segui. Toquei em seu ombro... Fiz a besteira de entrar em contato. Gritos foram ouvidos e se aquilo fosse divulgado, seria um escândalo. Saquei do meu bolso minha arma, e atirei em mim mesma... Sim, meu outro eu. Um tanto mais jovem, e me substitui no mundo passado. NESSE MUNDO! Logo depois meu filho morreu e eu agarrei a culpa, não tinha mais paz... Comecei a falar de tudo o que aconteceria dali a 30 anos. Todos tiravam sarro de mim. Não sei o que aconteceu ao meu marido desde que fui trancafiada aqui e colocaram aquele picador de gelo na parte de trás do meu olho...
-... Entenda uma coisa: quem te manda essas cartas e tudo mais, quer que você destrua o passado a fim de consertar o futuro!

Meus olhos se encheram de lágrimas. Quase chorei diante daquela história que a senhora Strauss me contava... Mas tinha minhas dúvidas. Três filhos? Onde estaria o do meio?
Em meio a tanta confusão, Simone me mostrou na sala um fundo falso e dali retirou algumas coisas um tanto peculiares: um circuito elétrico e um contador. Jogamos aquelas coisas pela janela do quarto dela, que dava num matagal. Quando saí do hospital, recuperei os objetos e voltei para casa.

domingo, 6 de novembro de 2011


Naquela noitinha, como de costume me recostei à bancada e comecei a analisar o objeto que eu tinha na maleta. Era um objeto de metal, todo cheio de espirais, e infelizmente ele parecia estar quebrado, ou pertencer a alguma coisa, tipo fazer parte de um contexto em alguma coisa. E mais embaixo de onde estavam as espirais, havia uma outra carta, eu comecei a ler ela, mas logo peguei no sono, mas já tinha em mente no que fazer no domingo.
Amanhece, é domingo, a noite passou como um sopro leve.
Arrumei minhas coisas rapidamente e se fazer nenhum barulho para acordar Jansen. E saí. Eu sei que ele vai se comportar e que ele vai entender o bilhete que deixei em cima da mesa para ele.
Peguei o primeiro taxi que encontrei na rua, e para minha sorte, foi o mesmo taxista que nos conduziu ontem para o Santa Teresa. Pedi para ele me levar até o local que fomos ontem. Eu já sabia qual quarto ir e o que dizer... Eu até mesmo tinha toda a certeza de que tudo se explicaria ali: o homem que me atacou, as cartas que eu tenho em mãos até o dia solene que é hoje.
Entrei no hospital, e conversei com o enfermeiro chefe das visitas, e menti, alegando ser o filho mais velho dela e que exigia a visita. O enfermeiro concordou, abriu a porta da cela onde ela estava, e eu finalmente tive o acesso que queria ter. Sentei-me numa cadeira que tinha no canto da sala, e fiquei ali, por horas, deixando ela me analisar, até que ela tivesse certeza de que eu não representava nenhuma ameaça para ela. Lentamente ela se aproximou, sentou na minha frente e ficou me observando... por alguns minutos, assim como uma criança que se senta na frente de seu pai na expectativa de que ele lhe leia uma historia. Então pude finalmente ver com meus olhos quem era a Senhora Strauss. Ela tinha olhos bem arredondados, e talvez até mesmo com marcas do sofrimento no manicômio, seus longos cabelos eram castanho claro, e ela possuía um rosto quase que perfeito.          
Naquele momento de paz e tranqüilidade, onde eu estava cercado de paredes brancas com Simone Strauss sentada no chão na minha frente, eu sorri para ela e disse:
- Simone... Eu sou o tutor de Jansen... Vim te visitar para te falar sobre... – tirei uma das cartas do meu bolso e mostrei para ela, ao mesmo tempo que falava – HEAVENS...
Ao ver o nome e o logotipo, ela começou a gritar, como se eu tivesse mostrado para ela a imagem do demônio, seus gritos eram tão altos, que os enfermeiros entraram violentamente pela porta e me agarraram com o intuito de me tirar da sala, eu fiz um esfoço muito grande para me desvencilhar dos homens, mas eles eram muito fortes, no entanto, quando eles estavam quase conseguindo me tirar da cela, uma voz doce e delicada quebrou o momento, dizendo:
- Deixem o homem em paz... Ele quer conversar comigo, e eu tenho algo para lhe dizer.
Os homens que me carregavam não acreditaram quando se depararam com Simone em pé, dizendo isso . Me desvencilhei dos enfermeiros, e eles se retiraram do quarto, fechando as portas com ar de admiração.
Simone pediu que eu me sentasse na banquetinha e ela se sentou na cama. Então, ela abriu a boca e soltou as primeiras palavras:
-Você tem que saber de algumas coisas... Não quero que pense mal sobre mim, ou que estou nessa condição por mero acaso. Respostas serão dadas..


quinta-feira, 9 de junho de 2011

Prescrições



Os dias passaram, os alunos estavam animados para os bailes que se aproximavam naquela época. Jansen parecia estar bem e feliz morando comigo, mas sempre notei que ele tinha uma certa dificuldade em se relacionar com os amigos da escola ou com os jovens da idade dele e todas as noites ele rezava pela mãe dele. Ao mesmo tempo, ele todas as noites subia na bancada superior do loft para juntos analisarmos o curioso objeto que estava dentro da maleta. Ele realmente me ajuda em tudo que eu peço. Naquela semana, não houve mais cartas, achei um fato estranho, fiquei esperando por mais esclarecimentos mas imagino que venho sendo observado, de alguma forma.
Aquela semana conturbada passou rápido demais, então, Jansen me fez o primeiro pedido desde que o trouxe para morar aqui comigo:
- Fabrício... – disse ele timidamente – Se possível, poderia ir comigo visitar minha mãe?
Eu sabia que Jansen, catolicamente ia todos os fins de semana visitar sua mãe, mesmo que fosse para ir lá e dar de cara com o médico dizendo que ela não poderia ser visitada, e não quis que esse ritual fosse quebrado, então fomos lá para o sanatório.
Andando com o taxi por aquela estrada, pude me identificar para que lugar estávamos indo, já estive naquele lugar, passar pelos campos de flores do campo, pelo desfiladeiro e pelo lago em que todo inverno, devido às baixas temperaturas, congela durante o inverno e finalmente o Sanatório Santa Tereza. Eu olhei assustado para Jansen, mas o pobre do garoto não sabia de exatamente nada do conteúdo da carta, então me sentei na cadeira da sala de espera, e te confesso que o ambiente não era um dos melhores: haviam duas internas com camisolas que deixavam à amostra suas partes íntimas e com os cabelos totalmente despenteados, e uma gritava para a outra que sentia falta da sua filha que ‘viajou no tempo’ enquanto a outra fazia carinho no braço da sua amiga, alegando que na realidade, quem havia perdido a filha era ela. Do outro lado da sala, próximo de um quadro de Santa Teresa, havia um senhor com um papel, um possível documento alegando o óbito de alguém, a julgar pelo semblante triste e a posição encurvada do homem, do outro lado havia uma porta, com a seguinte sigla: E.L.A (Exames Laboratoriais Avançados), os médicos entravam ali com internos, saiam sem eles e depois enfermeiras com macas saiam de lá também, deixei a minha imaginação ir mais além para refletir o que acontecia ali.
Então, Jansen apareceu na porta da recepção com um olhar perdido, dizendo que um enfermeiro queria conversar comigo. Eu me levantei, pedi que ele se sentasse do lado de fora, no jardim do local que logo eu voltaria e fui no meu papo com o médico:
- O senhor é o novo tutor de Jansen, certo? -  perguntou o homem todo de branco.
- Sim, ele veio morar comigo, você sabe como são as coisas com ele... -  o médico sequer deixou eu terminar minha  alocução.
- Pedimos ao senhor, que por favor, não permita mais a visita dele ao paciente 374, é um questão muito delicada.
- Como o senhor tem a petulância de me pedir isso? Entenda, para Jansen, ela não é um paciente como vocês a tratam e sim a MÃE dele!
- Senhor Fabrício... É justamente por essa consideração afetiva, que não permitimos que o garoto entre. Há 2 anos, nós fizemos com o endossamento do Senhor Strauss, fizemos nela um processo, chamado lobotomia, que foi iniciada em 1935 e muitas pessoas principalmente parentes de famosos, como a irmã de Kennedy, fez uso da técnica. No entanto, a mãe de Jansen ficou realmente pior do que quando entrou aqui na clinica.
- Pior? Como?
- Senhor Fabrício, veja por si mesmo... - o enfermeiro abriu um portinhola na porta maciça, revelando uma sala inteiramente estofada , uma cama sustentada por duas corrente soldadas numa base de metal, uma vaso sanitário e no canto da sala, sentada se balançando com as mãos envolvendo os joelhos e com longos cabelos escuros estava ela: Simone Strauss.
O enfermeiro disse que logo que ela chegou, ela interagia com as demais internas, mas suas  idéias eram muito estranhas, eram coisas impossíveis de se acontecer, como por exemplo as torres que terminaram de ser construídas em 1973 cairiam por dois aviões em cada uma, ou talvez que daqui há 5 anos uma usina nuclear na Ucrânia iria causar tanto dano a uma cidade por conta de um teste causado por uma empresa concorrente. Então os médicos decidiram domar a fera existente nela: lobotomia. No entanto, após o procedimento ela perdeu mais ainda o juízo, ela se via no espelho e chorava... por horas, como se enchesse de remorso.
Então eu comecei a pensar na situação daquela mulher... Me afastei lentamente da portinhola, e me fixei no numero que estava na porta... 374... Então eu arregalei os olhos, e olhei para o final do corredor, sentia um olhar fixo na minha pessoa, eu reconhecia aquela forma usando jaqueta caramelo e de cabelos aparados e claros, o mesmo homem que me atacou no meu loft, ele estava ali, no final do corredor com fores nas mãos. Eu fique perplexo, então ouvi do outro lado do corredor, a voz de Jansen, me chamando, aquele chamado me distraiu e ao retornar para onde estava o homem, notei que ele não estava mais ali.
O enfermeiro me olhou com ar de reprovação, o fato de o garoto estar ali, então me mantive em pé, e fui em direção dele. Disse a ele que a mãe dele teria que ser visitada em outra ocasião, ele esboçou um sorriso e disse que se sentia feliz pois, ao menos eu havia tentado por ele.
Ao retornarmos para casa, Jansen foi tomar um banho e eu fiquei preparando a comida, e entre um lance de panelas e outro, peguei a carta, e vi que a mãe de Jansen estava envolvida de alguma forma com algumas coisas que ainda eram desconhecidas para nós. 

domingo, 22 de maio de 2011



Aula de inglês...
Todos olham para a minha cara, parece que eles sabem o que aconteceu, tudo bem que não é todo dia que aparece alguém com um olho roxo na escola ainda todos tem uma vantagem: todos sabem que minha mãe ouve vozes e meu pai é casado com aquela fracassada, logo fico tirando conclusões que todos sabem do que estou sendo submetido.Mas sei que é só coisa da minha cabeça.O professor Fabrício é uma excelente pessoa, fico admirado de ver ele, desde que a Karen... desapareceu, ele meio que se fechou no mundo dele, mesmo assim, a vida dele continuou.
Nessa aula a professora me disse que eu não precisava apresentar o trabalho, mas mesmo assim eu apresentei, afinal, apenas meu olho ta avariado, minhas pernas, braços e minha boca ainda funcionam.
As horas passaram até que rápido. Vou para a porta da escola, e lá o professor me disse:
- Vou com você para casa, preciso falar com seu pai.
Essa frase me assustou e ao mesmo tempo me encheu de esperança. Fomos pelo caminho normal, em silencio... Temo que meu pai pode não acatar bem a visita do professor mas tenho esperança que ele mude.
Não sei o que fazer com relação a ele, ou o que vou falar para o pai dele. Mas esse garoto não pode ficar assim, e finalmente chegamos.
Jansen nem precisou entrar na casa, para que ele fosse recepcionado pelo pai que já mudava sua expressão em me ver. Logo que chegamos perto da cerca da casa dele, seu pai levantou a mão na direção do rosto do garoto e cravou a mão no cabelo dele, prestes para puxá-los.
- O que o garoto aprontou dessa vez? – ele me perguntou em tom acusativo
- Senhor Strauss, o que te pergunto: O que ele aprontou ontem? – perguntei em tom firme
- O senhor sabe que adolescentes precisam de disciplina, então o disciplinei a moda antiga. – ele soltou o cabelo de Jansen e cruzou os braços se reclinando sobre sua coluna – E a forma que eu educo o meu filho não é da sua conta!
- Engano o seu, o senhor não pode tratar esse menino dessa forma, ele é humilhado, o senhor não enxerga isso? -  confesso que me exaltei .
-Então o professor traumatizado solteirão vai opinar na forma que eu educo o MEU filho? – nesse momento, olhei para Jansen , e seu pai também.
Por que eles me olham? Será que sou tão mal assim?
Não pedi para o professor vir até aqui, ele veio por que ele quis... Que porcaria que eu fiz?
- Senhor Strauss, quero que o senhor reavalie seu modo de disciplinar... – sugeri pacificamente para ele.
-Já que acha que estou errado... Leve ele para sua casa, professor!
-Seu desejo é uma ordem! – disse com firmeza e certeza – Jansen, faça suas malas, ficarei te esperando, você vem morar comigo no meu loft, tenho um quarto sobrando.
Nunca me esqueci do olhar daquele garoto, foi algo fantástico. Ele entrou na casa como um foguete, seu pai ficou tenso, me olhando com ódio no olhar, mas ele não poderia fazer nada. Em menos de vinte minutos, Jansen já estava do meu lado. Ele parecia tenso, imagino como ele devia estar. Desejei um bom dia para o pai nervoso e partimos.
Passamos na padaria na esquina de meu loft, compramos pães e acomodei Jansen em seu novo quarto, sentamos à mesa olhamos para a mala e eu disse:
- Jansen, vamos começar a estudar essas cartas e esse objeto...
- Professor, vamos sim...
- Jansen, não me chame de professor, por favor, me chame de Fabrício.
-Tudo bem, tenho muita certeza de que iremos nos dar muito bem, e adoraria te ajudar no laboratório.
Embora aquele primeiro momento me enchesse de orgulho, também senti uma espécie de medo e incerteza. Mas aquele menino, Jansen, estava a salvo.

domingo, 8 de maio de 2011

Jansen



A chuva caia lentamente, só na mente dele... Quando você tem 16 anos e é um aluno aplicado você pode ter alguns momentos criativos, Jansen sempre teve seus momentos criativos. Mas naquela tarde, ele desejara que o tempo ficasse realmente em câmera lenta e que a chegada à sua casa jamais acontecesse. As narrativas a seguir são dos eventos após a saída de Jansen da minha casa, ele mesmo fez questão de narrar e em alguns pontos eu entro narrando também:

De repente, os pingos de chuva poderiam parar no tempo... Os carros poderiam parar de correr em alta velocidade, as garotas que corriam para salvar suas maquiagens poderiam ficar paralisadas, o tempo poderia parar... voltar... mas isso é impossível. Eu poderia ser bom alguma coisa realmente útil, como diz meu pai, eu poderia ser como meu ídolo do esporte, o jogador de basquete alemão Gustav Hraska, dizem que ele vai brilhar muito, eu queria brilhar... impressionar o meu pai e fazer ele se lembrar de mim pelo que eu faço e pelo que sou e não pelo fracasso que me enfiei afundado em números.
Minha vida, nos últimos três anos mudou bastante. Eu tinha uma família, pai, mãe e um irmão mais velho. Meu pai era contador, talvez por isso ele não gostasse de me ver envolvido com números, ele sempre tinha problemas com seu temperamento; minha mãe sofria de um distúrbio, ela escutava vozes e fazia o que elas mandavam, certa vez quando voltava da escola encontrei com ela dizendo que alguém tinha dito a ela que a cidade estava sitiada e que ia para o supermercado para comprar mantimentos para um mês... tirar essa idéia dela foi muito difícil, então meu pai decidiu interna-la por decisão do psicólogo dela, todos os finais de semana vou visitar ela, no entanto, nos últimos meses não consigo mais vê-la, temo que talvez tenham feito aquela loucura de novo procedimento; e finalmente meu irmão, fazem dois anos que ele morreu... digamos que ele se meteu com as pessoas erradas. Meu pai se casou com uma mulher muito nojenta, ela era atriz e sei lá o que aconteceu, ela de repente faliu, e desde que meu pai se casou, ele não tem mais atenção para as coisas boas que eu faço só sabe me criticar.
A chuva não parou! Maldita imaginação!
Corro pelos becos que conheço para cortar o caminho... Cortar caminho para que? Para levar uma bronca ou apanhar mais rápido? É uma fuga para a prisão.
Cheguei em casa, ela estava sentada no sofá, e me dirigiu apenas as palavras:
-Ele está lá em cima, e está decepcionado com você, desta vez você pisou na bola...
Subi as escadas bem devagar, abri a porta, ele estava bêbado... como sempre... não havia sentido. Sem mais palavras... Aquele era meu drama, o que se escondia por trás de um nerd? Uma humilhação quase que diária. Sempre tive vontade de contar isso para o professor Fabrício, mas tenho medo dele intervir e as coisas ficarem ruins, alias, piores para meu lado.
Agora estou aqui deitado na minha cama, com muitas dores. Amanhã na escola vai ser difícil explicar a razão do olho roxo. Mas o olho é o de menos, é o trauma mínimo visível, hematomas nas pernas e na barriga é rotina sem dizer no meu emocional. Não tenho base, caminho... Nada que me dê uma mão para o futuro.
Todos estão dormindo, só eu acordado. Quero saber como minha mãe está agora. Quero ir na casa de repouso e vê-la. Éramos a família perfeita com ela, não fosse o meu irmão fazer algumas coisas, esse problema talvez ficasse adormecido. Então, estou decidido a conversar com o professor amanhã, pois ele é o único que liga para o quem eu sou. Ele estava tão animado em ter aberto aquela maleta... Estranho uma maleta tão sofisticada como aquela ter como segredo o número do meu armário na escola. Vou tentar dormir, amanhã tenho que ter coragem para encarar o mundo.

Confesso que fiquei preocupado com Jansen, sabia que as coisas poderiam não acabar bem, pois elas nunca acabam bem para ele.  Eu dei aula para o irmão dele, Johnatan Strauss, pense num menino aplicado de certa forma em muitas matérias, mas sua maior habilidade estava no esporte. John se destacou três anos seguidos nos jogos de futebol, mas ele queria mais, sempre mais, superar os limites de seu corpo. Certo dia, vi ele se drogando no fundo da faculdade, eu o aconselhei, mas como diz por ai, ele já era maior de idade, com 22 anos e eu não iria bater na mão dele e mandá-lo para a diretoria, dizem os boatos que ele se viciou a tal ponto que mandaram executá-lo. Depois disso a mãe dele foi internada e o pai se casou novamente com uma atriz em decadência. Tenho pena dele, queria poder fazer algo.
Passo a noite analisando o conteúdo da maleta, mas sem sucesso, pois corrigir provas não é nada fácil. Termino de corrigir as provas e durmo.

Acordo finalmente as 6 da manhã, não me apresso em tomar o café, coloco minha jaqueta caramelo e um boné azul, e saio lentamente para conseguir chegar a escola as 7 em ponto, mas sempre chego as 6:30. O professor chega na escola as 6:55, tenho a terceira aula com ele e no intervalo vou conversar com ele. Então, aqui estou indo para escola passando pelos caminhos mais longos a fim de chegar no horário, mas esses caminhos não se mostram eficazes. Chego no mesmo horário na escola e fico sentado nos degraus com a cabeça abaixada. As aulas começam, as horas não passam rápido, o professor Fabrício está com um sorriso de satisfação e duvida no rosto. E finalmente intervalo, pego meu lanche e sento na mesma mesa de sempre, e então o professor chega, e iniciamos nossa conversa:

- Jansen, como você está? O que aconteceu no seu rosto?
- Professor, tem algo que eu quero te falar faz tempo, mas não tenho coragem, meu medo é superado pela vergonha.
- Jansen, você sabe que pode contar comigo, sou seu amigo, seu professor... Poxa, não tenha medo.
-Eu tenho medo de estragar seu dia, mas já estou no limite...
As palavras fluíram com as lagrimas, gestos e muita dor. O professor ficou com um olhar de indignação e ao mesmo tempo pena. Eu não sabia se eu estava certo do que estava fazendo, mas aquilo estava me tirando um peso. O intervalo terminou e o silencio permaneceu entre nós, o professor que parecia tão frio se mostrou perplexo. Então ele me dispensou de volta para a sala de aula.

Hoje ouvi da boca do Jansen algo que jamais pensei que eu ouviria, aquele garoto sofreu muito durante esses últimos anos, não sei se corro atrás de autoridades ou converso diretamente com o pai dele. Tenho pelo menos duas horas para pensar no que fazer. Não quero que ele como um gênio acabe em algum orfanato por ai ou caindo em famílias erradas. Ele é de fato muito inteligente, ele descobriu a combinação para abrir a mala, talvez também saiba o que fazer com o que tem dentro dela. Eu quero e vou ajudá-lo, mas agora tenho que dar aula, mas tenho um plano em mente.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Dia Seguinte

Segunda feira chuvosa; acordei logo cedo para dar aula. Eu teria muita alegria e até certa iniciativa positiva para encarar os alunos em dilemas básicos sobre física, não fosse a minha janela quebrada e grande parte de minhas anotações se espalhando pela rua conforme o vento soprava. Não estava incomodado com o fato das anotações voando mas sim com aquela maleta que permanecia como um mistério. Tentei de tudo para abrir a maleta, mas meus esforços foi em vão, ela possuía um mecanismo muito avançado, mas o que vinha a ser a chave para habilitar meu acesso ao seu conteúdo. Eu estava intrigado, parecia que aquela mala continha respostas necessárias para meus conflitos.
Arrumei as minhas coisas e desci pelas escadarias e me deparei com a caixa de cartas, eu hesitei, lembro-me de minha mãe me dizendo sempre: “Se hesitar, não faça.” No entanto, eu fiz, abri a caixinha, e me deparei com um uma nova carta, as coisas ali eram meio confusas, falou de alguém chamado Gustav e outras coisas que não era capaz de assimilar. Dobrei a carta, e coloquei na minha pasta para depois avaliar com mais sentido.
Chego no colégio, e encontro sentado como sempre faz, nos degraus de entrada o meu melhor aluno: Jansen Strauss , ele tem apenas 16 anos mas é um gênio da área de exatas e ótimo jogador de basquete. É uma pena que gênios tenham que ter uma vida tão sofrida, pelo que consta nos relatórios da escola sobre ele, sua mãe está numa casa de repouso e seu pai é casado com uma atriz que entrou em decadência e essa é a razão da vida dele, deixando de lado tudo que já foi prioridade. Jansen é um garoto solitário nesse mundo. Por isso achei melhor dar um pouco mais de atenção para ele, nos intervalos ao invés de me sentar na confortável sala dos professores para tomar um café, comer bolachas e discutir sobre quando seria a nossa próxima greve, eu me sentava nos bancos duros em tamanho para anões no refeitório conversando com ele. Não gosto de me aproximar das pessoas, pois tenho aquela sensação que mais cedo ou mais tarde elas serão arrancadas de mim, por isso talvez ainda não tenha me casado, uma ressalva: eu me casaria, mas aquilo que alguns chamam de destino e outros de acaso não estava ao meu favor.
Enfim, quebrando o protocolo, naquele dia eu não me sentei com Jansen, precisava analisar aquela carta com calma, como as aulas naquele dia iam até a tarde, encerrei o expediente naquela hora mesmo, e me dirigi ao endereço que constava na carta.
Após pegar um taxi e ir até os limites da cidade, me deparei com um belo campo verde com salgueiros balançando conforme a canção do vento, o cenário era muito bonito, não fosse o que havia nos fundos do campo, uma cerca igual aquelas usadas nos campos de concentração e mais a frente uma edificação com aparência tenebrosa, toda cinza, comprida com o telhado meio arredondado, como se fosse lápides gigantes, eu estava no Sanatório Santa Teresa. Aquele sanatório era muito conhecido por suas experiências envolvendo seus pacientes com lobotomia (uma técnica em que o paciente leva uma martelada na região acima do olho com um picador de gelo, rompendo assim os neurônios ‘causadores’ de algum desvio de comportamento, deixando a pessoa praticamente sedada).  Não tive coragem de entrar no sanatório, no entanto, sei que mais cedo ou mais tarde, alguma coisa me forçará a entrar naquele circo de terror. Pedi ao taxista que me levasse de volta para casa.
Cheguei a minha casa, troquei de roupa e empreendi na minha pesquisa sobre o que a carta dizia... A campainha tocou, era Jansen, pedi que ele entrasse para que pudéssemos sentar e ter a conversa que não tivemos na hora do almoço. Então, com seu olhar rápido, ele viu a mala e cima da mesa, e notei que ele ficou muito inquieto e perguntei para ele se ele queria analisar aquele objeto. Sem esboçar medo ou duvidas, ele tomou o objeto de cima da mesa colocou sobre seu colo e virou de todos os lados, assim como uma criança faz ao receber um presente de natal. Me indagou qual seria o conteúdo da mala, eu fiquei sem saber o que responder e dei de ombros, afinal, não havia conseguido desvendar o segredo para abri-la.
Após alguns minutos de analise, Jansen descobriu ali uma espécie de teclado numérico. E digitou uma sequência que lhe soava familiar. Ainda antes de ele conseguir terminar de digitar a combinação, eu havia dito a ele que não adiantaria, no entanto, antes de eu conseguir terminar a minha colocação, fui interrompido por um silvo, e a maleta se abrindo diante de meus olhos.
Era estranho, seu conteúdo era extremamente novo para mim, não sabia nem o que fazer com o que estava ali dentro aquela atmosfera de mistério e de certo nível de realização pessoal e até mesmo de surpresa pois o garoto descobriu o segredo, tudo aquilo foi quebrado pelo som do telefone, eu atendi, mas mal pude colocar o fone no meu ouvido, aos berros era o Senhor Strauss, mal tive a oportunidade de me despedir de Jansen pois, já imaginava o tamanho da fúria daquele homem.     
Ao sair, verifiquei o armário de mensagens, e recebi isso:

Ainda hoje posto como foi meu dia.